Investir no exterior tem se tornado uma estratégia cada vez mais comum entre brasileiros que buscam diversificação de portfólio, acesso a mercados mais desenvolvidos e proteção cambial. No entanto, junto com as oportunidades surgem também obrigações fiscais específicas que não podem ser ignoradas. A tributação sobre investimentos internacionais envolve regras próprias para apuração de ganhos de capital, rendimentos periódicos, declaração de ativos e eventuais acordos entre países.
Neste artigo, você vai entender o que é necessário para se manter em dia com a Receita Federal e o Banco Central ao investir fora do país. Irei abordar os principais aspectos da tributação sobre lucros, dividendos, juros e aluguéis, além das obrigações acessórias e dos riscos de omissão de informações. Também explicarei como funcionam os tratados para evitar a bitributação e quais são os mecanismos legais que permitem compensar impostos pagos no exterior.
1. Quais investimentos no exterior estão sujeitos à tributação no Brasil
A crescente facilidade de acesso a corretoras internacionais e o fortalecimento do dólar têm levado muitos brasileiros a diversificarem seus investimentos fora do país. No entanto, aplicar recursos no exterior implica em obrigações fiscais que devem ser cumpridas junto à Receita Federal. É essencial entender quais ativos estão sujeitos à tributação para evitar multas, juros e problemas legais.
Todos os ativos mantidos por pessoas físicas residentes no Brasil, independentemente do valor ou da corretora utilizada, estão sujeitos à tributação. Entre os principais que merecem atenção, destacam-se:
Ações, ETFs e REITs
Ao adquirir ações, fundos de índice (ETFs) ou fundos imobiliários estrangeiros (REITs) em bolsas como a NYSE ou NASDAQ, o investidor brasileiro deve apurar os lucros obtidos nessas operações. Esses ganhos são tributáveis no Brasil, ainda que os recursos permaneçam no exterior.
Fundos de investimento estrangeiros
Os rendimentos provenientes de fundos no exterior — como lucros distribuídos e ganhos de capital — estão sujeitos à tributação no Brasil. Além disso, é importante verificar o regime fiscal do país de origem, pois pode haver retenção na fonte e a necessidade de compensação por meio de acordo de bitributação.
Imóveis no exterior
A compra de imóveis em outros países exige atenção quanto às obrigações fiscais. Caso haja lucro com a valorização — como na venda por valor superior ao de aquisição — é necessário apurar e pagar imposto sobre o ganho de capital. Já os aluguéis recebidos no exterior constituem rendimentos tributáveis no Brasil e devem ser incluídos na declaração mensal e anual.
Contas bancárias e aplicações financeiras
Contas em moeda estrangeira e investimentos em ativos financeiros no exterior — como certificados de depósito ou títulos emitidos por instituições estrangeiras — geram obrigações fiscais no Brasil. Rendimentos como juros ou correção monetária devem ser informados e tributados conforme a legislação vigente.
Criptoativos em exchanges estrangeiras
Embora a regulamentação sobre criptoativos ainda esteja em evolução, a Receita Federal já exige a declaração de ativos digitais mantidos fora do país. Caso o contribuinte obtenha ganho de capital com essas operações — como a venda por valor superior ao da compra — deve recolher o imposto correspondente.
Outros ativos
Também se enquadram nessa categoria bens e direitos mantidos no exterior, como participações societárias em empresas estrangeiras, patentes, marcas registradas ou obras de arte.
A Receita Federal exige que o contribuinte brasileiro declare esses ativos, independentemente de valor ou rendimento, e recolha os impostos devidos em caso de ganho de capital ou outra forma de renda.
Fonte confiável:
Receita Federal do Brasil – Manual do Imposto de Renda Pessoa Física:
https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/meu-imposto-de-renda
2. Como funciona o Imposto de Renda sobre ganhos com investimentos no exterior
Os investimentos de brasileiros no exterior estão sujeitos à tributação no Brasil, mesmo que os rendimentos não sejam repatriados. A legislação exige que os ganhos obtidos fora do país sejam declarados e que o imposto seja recolhido diretamente pelo contribuinte, sem intermediação de instituições financeiras nacionais.
Ganho de capital: O que é e como calcular?
Trata-se da diferença positiva entre o valor de venda de um ativo e seu custo de aquisição. Por exemplo, se você comprou uma ação por US$ 1.000 e a vendeu por US$ 1.500, obteve um lucro de US$ 500. Esse valor deve ser convertido para reais com base na cotação do dólar do dia útil anterior à operação, conforme a taxa de câmbio de venda divulgada pelo Banco Central do Brasil.
O imposto incide sobre esse ganho convertido em reais, com as seguintes alíquotas progressivas:
- Até R$ 5.000,00: isento
- De R$ 5.000,01 a R$ 35.000,00 (em vendas no mês): isento para ativos financeiros listados em bolsa; nos demais casos, o lucro é tributável
Para ganhos tributáveis:
- Até R$ 5 milhões: 15%
- De R$ 5 milhões a R$ 10 milhões: 17,5%
- De R$ 10 milhões a R$ 30 milhões: 20%
- Acima de R$ 30 milhões: 22,5%
Obrigatoriedade de apuração e pagamento
O contribuinte deve apurar o ganho de capital e recolher o imposto até o último dia útil do mês seguinte ao da operação, por meio do DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais), utilizando o código 8523 (ganhos de capital no exterior).
Para auxiliar nesse processo, a Receita Federal oferece o programa GCAP (Ganho de Capital), que permite registrar as operações de venda, calcular o imposto devido e exportar os dados diretamente para a Declaração do Imposto de Renda (DIRPF).
Importante: Mesmo que o lucro tenha sido obtido em moeda estrangeira e não tenha sido remetido ao Brasil, ele segue tributável, pois o critério adotado é o da residência fiscal do contribuinte.
Recolhimento mensal via Carnê-Leão
Rendimentos recorrentes recebidos do exterior — como dividendos, aluguéis e juros — estão sujeitos à tributação mensal por meio do Carnê-Leão. O imposto deve ser calculado até o último dia útil do mês seguinte ao recebimento, com base na tabela progressiva do IRPF (0% a 27,5%, conforme o valor total).
Os valores devem ser convertidos para reais utilizando a cotação de venda do dólar do dia útil anterior à data de recebimento.
Isenções e compensações
Ganhos com a venda de ações estrangeiras são isentos de IR quando o total das alienações no mês não ultrapassa R$ 35 mil. Caso esse limite seja excedido, todo o lucro obtido no período será tributável.
Se houver imposto pago no exterior, o contribuinte pode compensá-lo no Brasil, desde que exista acordo de bitributação entre os países. A compensação deve ser registrada corretamente na declaração de ajuste anual.
Fonte confiável:
Receita Federal – Manual de Ganhos de Capital (GCAP):
https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/download/pgd/gcap
3. Tributação de rendimentos periódicos: dividendos, juros e aluguéis
Além dos ganhos de capital, investimentos no exterior também podem gerar rendimentos periódicos — como dividendos, juros sobre capital próprio, cupons de títulos e aluguéis de imóveis. Quando recebidos por residentes no Brasil, esses rendimentos devem ser declarados e tributados pelo Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF).
Dividendos recebidos de ações no exterior
Ao contrário das ações negociadas na Bolsa brasileira, cujos dividendos são isentos de IR para pessoas físicas, os dividendos pagos por empresas estrangeiras são tributáveis no Brasil — mesmo que já tenham sido tributados no país de origem.
Esses rendimentos devem ser informados no Carnê-Leão, com pagamento até o último dia útil do mês seguinte ao recebimento. As alíquotas seguem a tabela progressiva do IRPF, vigente em 2025:
- Até R$ 2.259,20: isento
- De R$ 2.259,21 a R$ 2.826,65: 7,5%
- De R$ 2.826,66 a R$ 3.751,05: 15%
- De R$ 3.751,06 a R$ 4.664,68: 22,5%
- Acima de R$ 4.664,68: 27,5%
Os valores devem ser convertidos para reais pela cotação de venda do dólar do dia útil anterior ao recebimento.
Caso tenha havido retenção no país de origem — como ocorre nos Estados Unidos, que aplicam uma alíquota padrão de 30% (reduzida para 15% no caso brasileiro) — é possível compensar esse valor, desde que a operação esteja documentada e exista acordo para evitar bitributação.
Juros e cupons de títulos
Juros recebidos de títulos públicos estrangeiros — como os Treasury Bonds dos EUA — ou privados são tratados da mesma forma que os dividendos: devem ser informados no Carnê-Leão e tributados conforme a tabela progressiva do IRPF.
É essencial manter o comprovante de rendimento emitido pela instituição financeira no exterior, para apresentação à Receita Federal, se necessário.
Aluguéis recebidos de imóveis no exterior
Aluguéis de imóveis localizados fora do Brasil são tributados mensalmente pelo Carnê-Leão, com base na tabela progressiva do IRPF.
É possível deduzir despesas diretamente relacionadas à obtenção do rendimento — como taxas de administração, impostos pagos no exterior e custos de manutenção — desde que devidamente comprovadas e dentro das normas da Receita Federal.
Como declarar
Os rendimentos periódicos recebidos do exterior devem ser informados mensalmente no sistema Carnê-Leão Web, disponível no portal e-CAC da Receita Federal, que realiza o cálculo do imposto e gera o DARF para pagamento.
Esses valores também precisam constar na Declaração de Ajuste Anual (DIRPF), na ficha Rendimentos Tributáveis Recebidos de Pessoa Física e do Exterior.
Importante: Mesmo que o rendimento não seja transferido ao Brasil, ele continua sujeito à tributação, pois a legislação brasileira adota o princípio da universalidade da renda para contribuintes residentes no país.
4. Acordos internacionais para evitar a bitributação
Investimentos no exterior podem estar sujeitos à cobrança de imposto tanto no país de origem do rendimento quanto no Brasil, o que caracteriza a bitributação internacional. Essa situação reduz a rentabilidade e pode gerar insegurança jurídica.
Para evitar esse problema, o Brasil mantém acordos com diversos países que estabelecem qual jurisdição tem o direito de tributar determinados tipos de renda e, em muitos casos, permitem a compensação de tributos pagos no exterior com o imposto devido no Brasil.
O que são tratados de bitributação?
Os Acordos para Evitar a Dupla Tributação (ADTs) são firmados entre dois países e definem regras sobre a tributação de rendimentos como salários, lucros, dividendos, juros, royalties, aposentadorias e ganhos de capital.
Seus principais objetivos são:
- Eliminar a incidência de imposto duplo sobre a mesma renda;
- Estabelecer critérios para determinar a residência fiscal de pessoas físicas e jurídicas;
- Permitir a compensação de tributos pagos no exterior com o imposto devido no Brasil.
Países com os quais o Brasil mantém acordos
Até Abril de 2025, o Brasil possui tratados de bitributação em vigor com países como:
- Alemanha
- Argentina
- Áustria
- Bélgica
- Canadá
- China
- Coreia do Sul
- Dinamarca
- Espanha
- França
- Holanda
- Índia
- Itália
- Japão
- Luxemburgo
- México
- Noruega
- Peru
- Portugal
- Reino Unido
- Suécia
- Suíça
- Ucrânia
Importante: O Brasil não mantém tratado de bitributação com os Estados Unidos. Nesses casos, aplica-se o mecanismo de compensação unilateral, previsto na legislação brasileira, que permite abater do imposto devido no Brasil o tributo pago nos EUA, limitado ao valor que seria cobrado no Brasil sobre o mesmo rendimento.
Como fazer a compensação do imposto pago no exterior
Para compensar o tributo pago fora do país, o contribuinte deve comprovar:
- O pagamento do imposto no exterior, mediante recibo, informe de rendimentos ou extrato;
- Que o rendimento é da mesma natureza e está sendo devidamente tributado no Brasil;
- Que a compensação está sendo realizada no mesmo ano-calendário do recebimento.
A compensação pode ser realizada no Carnê-Leão (para rendimentos periódicos) ou no GCAP (para ganhos de capital), e deve ser informada também na Declaração de Ajuste Anual.
Se o imposto pago no exterior exceder o valor devido no Brasil, a diferença não é reembolsável. Caso seja inferior, o contribuinte precisa complementar o valor ao Fisco brasileiro.
Regra da prevalência do tratado
Nos casos em que houver conflito entre a legislação brasileira e as disposições do tratado, prevalece o que está previsto no tratado. Portanto, é essencial que o contribuinte consulte o texto do acordo vigente com o país em questão antes de realizar a compensação.
5. Declaração de ativos no exterior: Obrigações acessórias e riscos de omissão
Além de pagar os tributos devidos, quem investe no exterior deve cumprir uma série de obrigações acessórias junto à Receita Federal e ao Banco Central do Brasil. Essas exigências vão além da simples entrega da declaração anual de Imposto de Renda e são fundamentais para evitar sanções, inclusive criminais.
Declaração de Bens e Direitos no Imposto de Renda
Todo residente fiscal no Brasil que possua ativos no exterior — como ações, contas bancárias, imóveis, títulos ou participações societárias — deve informá-los na ficha Bens e Direitos da Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda (DIRPF).
Desde 2021, essa ficha passou a contar com códigos mais específicos para ativos mantidos fora do país. Devem ser informados:
- Tipo de ativo (ex: ações, fundos, imóveis, contas);
- País de localização;
- Valor em moeda estrangeira e o correspondente em reais, convertido pela cotação de compra do dólar do Banco Central em 31 de Dezembro;
- Rendimentos e ganhos, se houver.
Mesmo que o bem não tenha gerado rendimento no ano, sua declaração continua obrigatória.
Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE)
Quem possui ativos no exterior que ultrapassem determinados valores também deve apresentar a DCBE ao Banco Central do Brasil. Essa declaração é independente da entrega da DIRPF e segue cronograma e penalidades próprios.
Obrigatoriedade da DCBE:
- Obrigatória para quem possuía, em 31 de Dezembro do ano-base, ativos no exterior acima de US$ 1 milhão (a partir de 2024; anteriormente, o limite era de US$ 100 mil).
- Quando o total supera US$ 100 milhões, a entrega deve ser feita trimestralmente.
A DCBE é realizada exclusivamente pela internet, no sistema do Banco Central, e exige informações detalhadas sobre:
- Natureza do ativo (ações, depósitos, imóveis, participações etc.);
- País de localização;
- Valor de mercado ou contábil;
- Entidade emissora, se aplicável.
Prazo para entrega anual (exemplo de 2025): de 15 de Fevereiro a 5 de Abril, com data-base em 31/12/2024.
Riscos e penalidades por omissão
Deixar de declarar ativos no exterior ou descumprir as obrigações acessórias pode gerar sérias consequências:
- Multas de até R$ 250 mil na DIRPF, dependendo do valor envolvido e da infração;
- Penalidades semelhantes na DCBE, em caso de não entrega ou omissão de informações relevantes;
- Autuação fiscal com cobrança retroativa de tributos e acréscimos legais;
- Em situações mais graves, a infração pode ser enquadrada como crime de evasão de divisas, com pena de 2 a 6 anos de reclusão, além de multa (Lei nº 7.492/1986, art. 22).
Acordo de troca de informações fiscais
Desde a adesão do Brasil ao Common Reporting Standard (CRS), iniciativa da OCDE, instituições financeiras de mais de 100 países — inclusive paraísos fiscais — passaram a compartilhar automaticamente com a Receita Federal dados sobre contas e investimentos mantidos por residentes brasileiros. Com isso, a fiscalização internacional foi significativamente ampliada, tornando mais difícil ocultar ativos no exterior.
Fontes confiáveis:
Receita Federal – Manual da Declaração de Bens e Direitos no Exterior:
https://www.gov.br/receitafederal
Lei nº 7.492/1986 – Crimes contra o sistema financeiro nacional:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7492.htm
Conclusão
A internacionalização dos investimentos pode proporcionar retornos expressivos e maior segurança patrimonial, mas exige atenção ao cumprimento das normas fiscais brasileiras. Deixar de pagar impostos sobre ganhos de capital, apurar rendimentos mensalmente ou declarar corretamente bens no exterior pode gerar multas pesadas, autuações e até sanções penais.
Com planejamento e informação, no entanto, é totalmente viável investir no exterior de forma segura e dentro da legalidade. A orientação de especialistas e o uso adequado de ferramentas como o Carnê-Leão, GCAP, Declaração de Bens e DCBE ajudam a manter a conformidade fiscal e proteger seu patrimônio.
Se você já investe fora do Brasil ou pretende começar, este guia é um passo relevante para tomar decisões mais conscientes e bem fundamentadas.